A negativa de cobertura por “uso indevido do veículo” é uma das justificativas mais comuns utilizadas por seguradoras para recusar o pagamento de indenizações. Mas até que ponto esse tipo de recusa é legal? E o que o segurado pode fazer quando se depara com essa situação? Neste artigo, vamos esclarecer o que é considerado “uso indevido”, quando a negativa é legítima e como agir para contestá-la, caso ela seja injusta.
O que significa “uso indevido do veículo”?
O “uso indevido” ocorre quando o veículo é utilizado de forma diferente daquela informada na proposta do seguro ou em desacordo com as condições previstas na apólice. Essa utilização incorreta pode ser entendida como um agravamento do risco — ou seja, o aumento das chances de ocorrer um sinistro.
Alguns exemplos típicos de uso indevido são:
- Utilizar um carro declarado como de uso particular para transporte de passageiros (como Uber, táxis ou aplicativos de entrega), sem informar previamente à seguradora;
- Participar de rachas ou corridas automobilísticas;
- Permitir que o veículo seja conduzido por alguém não habilitado ou com CNH vencida;
- Modificar o veículo (ex: rebaixar suspensão, turbinar motor, mudar categoria) sem comunicar a seguradora;
- Usar o veículo fora do território de cobertura (ex: outro país ou local não coberto pela apólice).
Quando a seguradora pode negar a cobertura por uso indevido?
A recusa do pagamento da indenização só é válida se a seguradora demonstrar que houve, de fato, descumprimento contratual por parte do segurado. Mais do que isso: é necessário que a conduta do segurado tenha contribuído diretamente para o sinistro.
Ou seja, não basta apenas apontar que o veículo foi utilizado de forma diferente. A seguradora precisa comprovar que o uso indevido foi a causa — ou ao menos agravou — o evento que resultou no pedido de indenização.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou entendimento no sentido de que cláusulas restritivas de direito devem ser interpretadas de forma restrita. Em outras palavras, em caso de dúvida sobre o alcance da cláusula, prevalece a interpretação mais favorável ao consumidor (Súmula 469 do STJ).
Casos reais: o que diz a jurisprudência
Há decisões judiciais reconhecendo como abusiva a negativa de indenização quando o uso considerado “indevido” não teve relação com o sinistro. Exemplo: um motorista envolvido em um acidente enquanto conduzia o veículo para uso pessoal, mas que estava em nome de uma empresa — nesse caso, se não houver prova de que o uso comercial contribuiu para o sinistro, a recusa é considerada indevida.
Em 2021, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) condenou uma seguradora a pagar a indenização por danos após ela ter negado cobertura com base em uso indevido. A seguradora não conseguiu comprovar que o uso divergente havia contribuído para o acidente, o que levou o Judiciário a entender que a negativa foi abusiva (Processo nº 0708374-81.2020.8.07.0001).
O que fazer diante de uma negativa por “uso indevido”?
- Leia a apólice com atenção
Verifique se há cláusula clara e específica sobre o tipo de uso declarado do veículo e se realmente houve descumprimento por parte do segurado. - Peça a negativa por escrito
Solicite à seguradora que apresente formalmente os motivos da recusa, indicando qual cláusula foi descumprida. - Reúna provas
Junte documentos, testemunhos e registros que demonstrem que o uso do veículo estava dentro do que foi contratado, ou que, mesmo se houve divergência, isso não contribuiu para o sinistro. - Tente resolver extrajudicialmente
Você pode registrar reclamação na SUSEP ou no Procon, exigindo a revisão da negativa. - Procure um advogado especialista em seguros
Caso não consiga resolver administrativamente, é possível ingressar com uma ação judicial para exigir o cumprimento do contrato e, se for o caso, pedir indenização por danos morais.
Conclusão
A alegação de “uso indevido do veículo” nem sempre é suficiente para justificar a negativa da indenização. O segurado tem direitos garantidos pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil, e pode — e deve — contestar decisões abusivas das seguradoras. Diante de uma negativa, a melhor estratégia é buscar orientação jurídica, reunir provas e, se necessário, recorrer ao Judiciário para fazer valer o contrato.